Resumo:
Como a Araucaria angustifólia é uma espécie em
risco crítico de extinção, ela é protegida por lei e apenas poderá ser
suprimida nas seguintes situações: 1 – quando comprovadamente plantadas
(dispostas em linha, cadastro no DEFAP, e/ou outra forma que comprove que os
exemplares foram plantados); 2 – quando estão causando risco de dano eminente
às pessoas e residências, e 3 - em caso de supressão para obra de utilidade
pública ou interesse social.
Em todos os
casos é necessário, além do licenciamento ambiental, a observação das
condicionantes impostas no processo de licenciamento, e a compensação ambiental
obrigatória por lei. Todo licenciamento de pinheiros, plantados ou não, fica
suspenso nos meses de abril, maio e junho, devido à época de queda das sementes
(Portaria Normativa IBAMA DC 020/1976). No caso do
licenciamento de pinheiros de ocorrência natural, para cada árvore abatida
deve-se fazer a reposição de 15 mudas da mesma espécie.
Observações importantes:
Tecnicamente
trocar um espécime de ocorrência natural de grande porte por 15 outras a serem
plantas, não é uma medida efetiva de preservação da espécie. Isso porque
espécies de ocorrência natural foram selecionadas pelo ambiente. Naturalmente,
poucas sementes se desenvolvem e chegam à idade adulta, as que chegam são os
indivíduos com os melhores genes. Esses genes são importantes para a
sobrevivência da espécie. Assim a espécie aumenta a diversidade genética, torna-se
“forte”, se precavendo de algum eventual problema, como mudança climática,
doenças, modificação da qualidade do solo, entre outros fatores, em que esses
genes selecionados a “dedo” pelo ambiente seriam úteis.
Já as mudas
plantadas não passam pelo crivo ambiental, possuem pouca diversidade genética,
são provenientes de poucos indivíduos adultos, as vezes de outros pinheiros
plantado, e como os indivíduos recebem cuidados desde a germinação e são
plantados em locais onde os processos ambientais já foram alterados e
suprimidos, grande porcentagem das mudas chegam a idade adulta. Diminuindo
assim a diversidade e a seleção dos melhores genes, necessários para a
sobrevivência da espécie. Além disso, os reflorestamentos com pinheiro nativo,
são monoculturas, que aliadas à baixa diversidade dos espécimes colaboram para
a disseminação de fungos e outras pragas.
Desta forma os
grandes pinheiros, de ocorrência natural possuem uma carga genética única e
preciosa. O técnico licenciador deve levar essa parte técnica em conta na hora
de tomar uma decisão, para não contribuir com a extinção de uma espécie tão
importante, tanto para os processos ambientais do bioma que faz parte, como
para a comunidade que a utiliza de forma sustentável.
Embasamento técnico:
A Araucaria angustifólia conhecida
popularmente como pinheiro-do-Paraná ou pinheiro Brasileiro, como é chamada
pelos gaúchos, é uma gimnosperma de caule cilíndrico, dióica (indivíduos
masculinos e femininos), perenifólia (mantêm as suas folhas durante todo o ano),
heliófitas (preferem ambientes bem iluminados), que podem atingir até 50m de
altura e 2,5m de DAP (Diâmetro a Altura do Peito).
Com folhas em
formato de espinhos, uma adaptação à perda de água, sua forma é única na
paisagem, parecendo uma taça ou umbela. É uma das espécies chamadas de “fóssil
vivo”, pois ela existe há mais de 200 milhões de anos; já existia, da forma que
a vemos hoje, durante a era dos dinossauros. Naquela época ocorria em uma vasta
área que se estendia do sul até o Nordeste brasileiro. Prova disso são os
inúmeros fósseis de araucárias encontrados por todo o país. Com a mudança
climática ocorrida nos milênios seguintes, seu habitat foi se reduzindo até
ficar restrita às áreas de planaltos e regiões de clima frio.
É a espécie característica
do ecossistema considerado um dos mais raros e ameaçados do mundo: a Floresta
Ombrófila Mista, a famosa Mata de Araucárias, da qual resta menos de 1% de sua ocorrência
original. A Mata de Araucárias compõe, juntamente com outras formações
vegetais, o Bioma Mata Atlântica, igualmente ameaçado, restando apenas 7% de
sua formação original.
Desde o início
da colonização do Sul do país a Floresta de Araucária foi exaustivamente
explorada, sem que houvesse qualquer preocupação em manejá-la de forma
sustentável. Sua madeira leve e sem falhas, foi muito procurada por madeireiras
a partir do século 20. Segundo Maack, (1968) as reservas nativas de Floresta
Ombrófila Mista em 1968 eram estimadas em 21,6% da área do Estado de São Paulo,
36,67% do Estado do Paraná, 60,13% do Estado de Santa Catarina e 17,38% do
Estado do Rio Grande do Sul. Em 1980 foram reduzidas, respectivamente para 4,3%;
3,2% e 1,4%, (Machado & Siqueira,1980). Hoje esse ecossistema está no
limiar de seu desaparecimento. Os raros remanescentes estão em Unidades de
Conservação ou locais de difícil acesso. E juntamente com o ecossistema que faz
parte, a araucária, segundo a União
Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) está em Perigo
Crítico de Extinção. A vasta maioria dos animais e plantas ameaçados de
extinção no Brasil estão representados nesse bioma e, das sete espécies
brasileiras consideradas extintas em tempos recentes, todas encontravam-se
distribuídas na Mata Atlântica. (Conama 2012).
Toda espécie que
entra na lista das ameaçadas, trás consigo inúmeras outras, que dependem desta,
num efeito dominó. No caso da araucária, seu desaparecimento poderá levar à
extinção, segundo Boelter, C.R. & Fonseca, C.R 2007, a canela-sassafrás (Ocotea pretiosa),
a canela-preta (Ocotea catarineneses), a imbuia (Ocotea
porosa), o xaxim (Alsophila setosa), a gralha-azul (Cyanocorax
caeruleus), o macuco (Tinamus solitarius), os inhambus do
gênero Crypturelus, a jacutinga (Pipile jacutinga) e
grande número de epífitas, entre muitos outros. A gralha azul é um exemplo proeminente
das interações complexas entre as espécies; ela possui a araucária como nicho
ecológico, fazendo seu ninho na coroa de espinhos e alimentando-se dos pinhões.
No outono estocam as sementes em troncos secos e buracos no chão, dispersando
as sementes e enriquecendo o bioma. Apesar de não ser uma espécie restrita à
Floresta Ombrófila Mista, foi muito prejudicada pelo abate indiscriminado de
pinheiros e diminuição drástica de seu habitat. Agora, a diminuição de gralhas
azuis é mais um fator que colabora para a extinção
da Araucaria angustifolia, em um círculo vicioso (apenas um de milhares).
Todo ano 1% de
espécimes de Araucaria angustifolia morrem
naturalmente, se não houver uma natalidade maior do que esse número, a espécies estará fadada à extinção. Se levarmos em conta o abate indiscriminado, os
poucos indivíduos remanescentes como porta sementes, o desaparecimento de
espécies dispersoras, o índice de germinação natural das sementes que é de apenas 0,05%, o tempo de viabilidade das sementes de apenas algumas semanas,
a coleta indiscriminada de pinhão... essa espécies não possui muitas perspectivas!
Pelo menos se não for tomadas medidas adequadas de conscientização e proteção...
Levando em conta
esse panorama sombrio, o abate ou qualquer forma de manejo de espécies em
extinção deve ser conduzido de forma prudente e com embasamento técnico. Todas
as espécies em extinção, constante da Lista Oficial das espécies da Flora Brasileira
Ameaçadas de Extinção, ou da lista dos Estados ou declaradas assim pelos órgãos
ambientais municipais, são protegidas por vários dispositivos legais.
Embasamento
Legal:
O Art. 225 da
Constituição Federal de 1988 consagrou o meio ambiente equilibrado
como um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida; em seu
§ 1º inciso II, no conceito de manejo sustentável, obriga o Estado a
proteger e preservar o patrimônio genético. O inciso VII também diz que é
dever do estado “proteger a fauna e a
flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a
crueldade”. No mesmo inciso a
Carta Magna, no § 4º, coloca o Bioma Mata Atlântica, da qual o ecossistema
Floresta Ombrófila Mista pertence como patrimônio nacional, e sua utilização
“far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do
meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
Assim, de acordo
com a Constituição, a intervenção, sob qualquer aspecto, do Bioma Mata
Atlântica, do qual a Floresta Ombrófila Mista faz parte, seria regulada na
forma da Lei. A Legislação específica, que trouxe esse controle para a quase
extinta Mata Atlântica foi a Lei 11.428 de 2006 e seu regulamento, o Decreto
6.660 de 2008. Assim, de acordo com o Parágrafo Único, artigo 39 deste Decreto:
“Nos termos do art. 11, inciso I, alínea “a”, da Lei no 11.428,
de 2006, é vedada a autorização de
que trata o caput nos
casos em que a intervenção,
parcelamento ou empreendimento puserem
em risco a sobrevivência in situ de
espécies da flora ou fauna ameaçadas de extinção, tais como:
I - corte ou supressão de espécie ameaçada de extinção de ocorrência
restrita à área de abrangência direta da intervenção, parcelamento ou
empreendimento; ou II -corte ou supressão de população vegetal com
variabilidade genética exclusiva na área de abrangência direta da intervenção,
parcelamento ou empreendimento”. O artigo 2o § 2º do Decreto
citado acima, preconiza que “para os fins do disposto neste artigo, é vedada a exploração de espécies incluídas
na Lista Oficial de Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção ou
constantes de listas dos Estados, bem como aquelas constantes de listas de
proibição de corte objeto de proteção por atos normativos dos entes
federativos”.
De acordo com o art. 35 da Lei Estadual
Nº. 9.519, de 21 de janeiro de 1992 que Institui o Código Florestal do Estado
do Rio Grande do Sul, “o órgão florestal
competente deverá proibir ou limitar o corte das espécies vegetais consideradas
em via de extinção, raras ou endêmicas, delimitando as áreas compreendidas no
ato”.
Os
princípios ambientais preconizam que se dois dispositivos legais regram o mesmo
assunto, é necessário que se use o mais benéfico para o meio ambiente, então é
necessário observar toda a legislação ambiental e utilizar o dispositivo mais
restritivo. Neste caso, além de o órgão ambiental competente não permitir o
manejo de Araucárias angustifólias de
ocorrência natural (salvo as exceções citadas no inicio do texto), é necessário
que durante o licenciamento de empreendimentos, manejo florestal ou
indeferimentos, o órgão ambiental competente delimite as áreas em que há
espécies protegidas e monitore a área.
Referencias Bibliográficas
BOELTER, C.R. & FONSECA, C.R. Abundância, riqueza e composição de epífitos vasculares em florestas com araucárias e monoculturas arbóreas. In: Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil, 23 a 28 de setembro de 2007. Caxambu - MG / UNISINOS. Laboratório de Interação Animal-Planta, pp. 1-2
DINERSTEIN, E.; OLSON, D. M.; GRAHAM, D. J.; WEBSTER, A. L.; PRIMM, S. A.; BOOKBINDER, M. P.; LEDEC, G. A conservation assessment of the terrestrial ecoregions of Latin America and the Caribbean. Washington, DC: The World Bank, 1995. 129 p.
MITTERMEIER, R. A.; MYERS, N.; MITTERMEIER, C. G. Hotspots: earth’s biologicaly richest and most endangered terrestrial ecoregions. Mexico City: CEMEX, 1999. 430 p. il.
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BRASIL, CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA. 2012. Resolução 319 Disponível em: www.mma.gov.br/port/conama/processos/.../LivroConama.pdf> Acesso em 25/01/2013.
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